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Alfredo Ignácio Trindade, Avenida Rangel Pestana, campeão Torneio Rio-São Paulo de 1950, programa Roda Viva
Sempre aclamado por populares, Trindade caminha apressadamente pela movimentada Avenida Rangel Pestana.
Bem vestido e bigodinho caprichosamente aparado, o vento parece não ter força para desarrumar os cabelos impecavelmente penteados para trás.
Ao diminuir o passo, Trindade entra na sede do Sport Clube Corinthians Paulista para mais um dia de trabalho. Nos ombros, o compromisso de comandar o time mais popular de São Paulo.
Filho do casal de portugueses Accácio Ignácio Trindade e de Maria Ismênia Trindade, Alfredo Ignácio Trindade nasceu em 1 de setembro de 1908, no bairro do Pari, Zona Central da cidade de São Paulo (SP).
Criado na Rua Rio Bonito, o gordinho Trindade não levava jeito para o futebol. Insistia, tentava fazer o melhor, mas sempre era escolhido por último nas habituais peladas.
Alegre, rodeado de amigos e com um talento notável para falar em público, sua juventude foi dividida entre os deveres escolares e sua paixão pelo Corinthians.
Contador formado, o sempre emotivo Trindade fez carreira profissional na SKF, uma empresa sueca no segmento de rolamentos.
Colaborador na gestão do presidente Manuel Correcher, Trindade dedicava grande parte de seu tempo aos assuntos do Corinthians.
Assumiu o cargo de presidente pela primeira vez em 1944. Saiu em 1947 e voltou em 1949, quando realizou um bom trabalho na recuperação das finanças.
Mas o que Trindade gostava mesmo era escapar de seu gabinete na Avenida Rangel Pestana. Saia quase que escondido da sede do clube para assistir os treinos do time na Fazendinha.
Se o quadro associativo estava satisfeito com o moderno Parque Aquático, obra iniciada em 1946 e inaugurada no dia 30 de setembro de 1950, o torcedor comum era só descontentamento.
Com o último campeonato paulista conquistado no distante ano de 1941, Trindade não suportava mais testemunhar o domínio do Palmeiras e do São Paulo.
Foram 7 milhões de cruzeiros para deixar os sócios felizes nas piscinas. Então, quanto seria preciso para formar um time competitivo? Como fazer para substituir aquela geração de Touguinha, Belfare, Nelsinho e Domingos da Guia?
Para tanto, Trindade iniciou um processo de reformulação do elenco em 1949. Promoveu jogadores como Idário, Luizinho Trochillo, Roberto Belangero e o goleiro Cabeção, como reserva imediato do titular Bino.
Além do aproveitamento de alguns valores do quadro de Aspirantes, Trindade contratou o meio campista paranaense Jackson e o zagueiro Homero Oppi, grande revelação do Clube Atlético Ypiranga.
O título do Torneio Rio-São Paulo de 1950 desafogou um pouco o sofrimento da Fiel Torcida, que mesmo assim ainda sonhava com o título paulista.
Recolhido em seu gabinete, Trindade continuava trabalhando duro, embora seu lado emotivo fosse aos poucos superando sua face administrativa.
Delegando os afazeres burocráticos ao assistente Antônio Dourado ou ao Diretor de Patrimônio, Joaquim Tomé Filho, Trindade embarcava ofegante em seu Chevrolet para o Estádio do Pacaembu.
Mas Trindade não ficava por muito tempo assistindo o jogo. Nervoso, mastigava o charuto até decidir levantar abruptamente da arquibancada e tomar o rumo dos vestiários.
Ao contrário da usual prudência no comando das coisas do clube, Trindade mostrava seu lado de torcedor abnegado com discursos inflamados, principalmente quando o resultado era desfavorável.
– Quero garra, luta… Existem milhares de torcedores em seus aparelhos de rádio esperando por uma vitória.
Astuto, o presidente usava como exemplo a raça do lateral direito Idário, que mesmo machucado escondia suas feridas do Departamento Médico.
E enquanto os jogadores caminhavam para entrar no gramado, Trindade seguia logo atrás e caprichava no famoso grito do torcedor Chico Mendes: “Vai Corinthians”.
O técnico Brandão, conhecedor das manobras de Trindade, não se sentia invadido em seu trabalho, pelo contrário. Brandão até tirava proveito do envolvimento desmedido do presidente, que só faltava entrar em campo para jogar.
Em entrevista ao Jornal Mundo Esportivo, Trindade revelou o que sentia nos momentos em que acompanhava os jogadores até o gramado:
– Deixo o vestiário trêmulo, mas sempre confiante! Os degraus para entrar no gramado são longos e desafiadores. Rezo uma prece e mergulho em total silêncio para me perguntar o que nos espera; glória ou inferno?
O hábito de fumar charutos ofereceu uma espécie de identidade ao período marcado por grandes conquistas. Trindade carregou taças com os jogadores, deu voltas olímpicas, chorou e enfrentou torcedores.
Em uma época onde os jogadores eram patrimônio do clube, Trindade era hábil para contratar e inflexível para negociar seus pupilos: “Se eu vender o Luizinho a torcida me mata e coloca fogo no Parque São Jorge”.
E os títulos, antes distantes, aos poucos foram se acumulando na sala de troféus:
Campeão paulista de 1951, 1952 e 1954 (Quarto Centenário da cidade de São Paulo), vice-campeão da Copa Rio 1952, Taça Cidade de São Paulo 1952, Pequena Taça do Mundo 1953, Taça “Mais Querido do Brasil” 1955, Torneio Internacional Charles Miller em 1955, Taça dos Invictos em 1956 e 1957 (posse definitiva), Torneio Rio-São Paulo 1950, 1953, 1954 e o Torneio de Brasília em 1958.
Em por falar em 1958, Vicente Matheus – antes Diretor de Futebol – unificou forças com Wadih Helu no propósito de destronar Alfredo Ignácio Trindade, que ainda contava com grande prestígio.
Então, aconteceram mudanças nos estatutos e os sócios puderam votar para eleger um novo presidente.
Com promessa de reformar o Parque São Jorge; construir um moderno ginásio de esportes; ampliar o conjunto de piscinas; fortalecer os esportes amadores e contratar grandes jogadores, Vicente Matheus venceu a eleição e foi proclamado presidente.
Em 20 de abril de 1987, durante sua participação no programa Roda Viva da TV Cultura, Vicente Matheus falou um pouco dos motivos determinantes para sua vitória no pleito presidencial de 1959:
… Trindade foi um grande presidente enquanto não participou da política. Depois quis ser Vereador, Deputado e coisa e tal. Aí, o Corinthians não foi mais o mesmo!
Trindade continuou sua vida na política e no Corinthians. Vivia nas dependências do clube e participava ativamente nos bastidores.
Alfredo Ignácio Trindade faleceu na cidade de São Paulo (SP), em 19 de março de 1969. O dirigente estava internado no Hospital Beneficência Portuguesa.
Créditos de imagens e informações para a criação do texto: revista Placar (por Aristélio Andrade, Carlos Maranhão e José Maria de Aquino), revista do Corinthians, revista do Esporte, revista Esporte Ilustrado, revista Grandes Clubes Brasileiros, revista O Cruzeiro, Jornal A Gazeta Esportiva, Jornal Mundo Esportivo, campeoesdofutebol.com.br, citadini.com.br, corinthians.com.br, Foto Postal Colombo, historiasdopari.wordpress.com, rodaviva.fapesp.br, Álbum de figurinhas do Quarto Centenário da cidade de São Paulo – Editora Aquarela Ltda, Livro: Corinthians – O Time do Povo – André Martinez – Editora Lafonte, Livro: Timão 100 Anos – Celso Dario Unzelte – Editora Gutenberg.